Filho querido,
você anda com mania de fotografar: pede a máquina e sai tirando fotos do que acha interessante - seus brinquedos, o chão da sala, sacolas espalhadas, minhas mãos, as canelas do seu pai... De vez em quando ainda corta a cabeça das pessoas, por pura farra, rindo a valer do resultado.
Ontem, no casamento da amiga da mamãe, você decidiu que iria tirar foto dos noivos. E foi inevitável lembrar do seu avô, de quem você carrega o nome, que por tanto tempo viveu de fotografias. Quando você crescer mais um pouco, provavelmente sua avó vai te contar dos tempos em que seu avô tinha "o foto" - uma loja de revelações, onde também se tiravam fotografias. Primeiro, em Marília; depois em São Bernardo, para onde seu avô trouxe os parentes um por um, até que o negócio ficou pequeno pra tanta gente.
Quando conheci seu pai e ele me explicou o significado do seu sobrenome - "uma fonte no meio da mata" - em seguida ele relativizou ao dizer que isso era o que contava seu avô, e que vindo do seu avô, tudo era possível.
Convivi pouco com seu avô, porque pouco depois que eu e seu pai começamos a namorar, ele adoeceu; no nosso casamento, não há fotos dele ou da sua avó, porque ele já não se sentia bem. E ele não viveu para saber que você viria, embora eu goste de achar que ele deu um jeito de saber e, de onde está, ri com a sua chegada e com as suas bagunças.
Deve rir sobretudo de ver como vocês se parecem: foi a primeira coisa que seu pai reparou, você mal tinha saído da barriga... Você tem o mesmo bico do seu avô Hakira; aliás, o mesmo bico do seu pai. Eu me divertia muito quando estávamos na sua avó, me distraía e, de repente, olhava e lá estavam, seu pai e seu avô assistindo TV, ambos fazendo bicos iguaizinhos...
Acho que porque eu era nova na família, seu avô adorava me contar histórias. Ele me contava histórias de carros, aventuras, "causos"... Era bom de papo, o seu avô. Fora da família, ele era conhecido como Joaquim (assim como a sua avó Lúcia, na verdade se chama Kiaka. Era pra ser Kioko, mas o moço do cartório não quis registrar uma menina com um nome terminado em O...), e todos os que conheci no velório pareciam se lembrar dele com muito carinho e respeito. Do Joaquim - esse homem que seu avô era fora de casa, junto a amigos, parceiros e clientes, - não posso te falar, Rô, pois não o conheci.
Posso te contar um pouco do Seu Hakira, de seu gosto por comidas fortes e apimentadas; de seu jeito de rir cúmplice das artes que o seu primo fazia; dos cabelos branquinhos, branquinhos; que ele gostava, como você, de iriko; que eu admirava muito o jeito com que sua avó o chamava de "meu marido", mistura de respeito, amor e solidez; que ele gostava de pescar e, talvez por isso, seu pai desconfiasse tanto que as histórias que ele contava fossem somente "conversa de pescador"...
É pouco o que posso te contar, Rô. Ainda assim, me espanta perceber como você carrega pedaços dele e é como se, então, eu ganhasse mais tempo para conhecê-lo.
E me encanta perceber que você é o entrelaçamento de tantas histórias e memórias: uma nova vida, mas que já carrega consigo tantas outras. É bonito, filho, que do seu avô, seja mais do que o nome aquilo que você continua.
Ontem, no casamento da amiga da mamãe, você decidiu que iria tirar foto dos noivos. E foi inevitável lembrar do seu avô, de quem você carrega o nome, que por tanto tempo viveu de fotografias. Quando você crescer mais um pouco, provavelmente sua avó vai te contar dos tempos em que seu avô tinha "o foto" - uma loja de revelações, onde também se tiravam fotografias. Primeiro, em Marília; depois em São Bernardo, para onde seu avô trouxe os parentes um por um, até que o negócio ficou pequeno pra tanta gente.
Quando conheci seu pai e ele me explicou o significado do seu sobrenome - "uma fonte no meio da mata" - em seguida ele relativizou ao dizer que isso era o que contava seu avô, e que vindo do seu avô, tudo era possível.
Convivi pouco com seu avô, porque pouco depois que eu e seu pai começamos a namorar, ele adoeceu; no nosso casamento, não há fotos dele ou da sua avó, porque ele já não se sentia bem. E ele não viveu para saber que você viria, embora eu goste de achar que ele deu um jeito de saber e, de onde está, ri com a sua chegada e com as suas bagunças.
Deve rir sobretudo de ver como vocês se parecem: foi a primeira coisa que seu pai reparou, você mal tinha saído da barriga... Você tem o mesmo bico do seu avô Hakira; aliás, o mesmo bico do seu pai. Eu me divertia muito quando estávamos na sua avó, me distraía e, de repente, olhava e lá estavam, seu pai e seu avô assistindo TV, ambos fazendo bicos iguaizinhos...
Acho que porque eu era nova na família, seu avô adorava me contar histórias. Ele me contava histórias de carros, aventuras, "causos"... Era bom de papo, o seu avô. Fora da família, ele era conhecido como Joaquim (assim como a sua avó Lúcia, na verdade se chama Kiaka. Era pra ser Kioko, mas o moço do cartório não quis registrar uma menina com um nome terminado em O...), e todos os que conheci no velório pareciam se lembrar dele com muito carinho e respeito. Do Joaquim - esse homem que seu avô era fora de casa, junto a amigos, parceiros e clientes, - não posso te falar, Rô, pois não o conheci.
Posso te contar um pouco do Seu Hakira, de seu gosto por comidas fortes e apimentadas; de seu jeito de rir cúmplice das artes que o seu primo fazia; dos cabelos branquinhos, branquinhos; que ele gostava, como você, de iriko; que eu admirava muito o jeito com que sua avó o chamava de "meu marido", mistura de respeito, amor e solidez; que ele gostava de pescar e, talvez por isso, seu pai desconfiasse tanto que as histórias que ele contava fossem somente "conversa de pescador"...
É pouco o que posso te contar, Rô. Ainda assim, me espanta perceber como você carrega pedaços dele e é como se, então, eu ganhasse mais tempo para conhecê-lo.
E me encanta perceber que você é o entrelaçamento de tantas histórias e memórias: uma nova vida, mas que já carrega consigo tantas outras. É bonito, filho, que do seu avô, seja mais do que o nome aquilo que você continua.
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