terça-feira, 30 de agosto de 2011

estalido

Vou buscar Rodrigo na escola e, enquanto voltamos, me lembro que guardei na bolsa algo para dar a ele: uma folha seca, daquelas retorcidas, que fazem um barulho alto quando estalam sob nossos pés.

Entrego a ele, dizendo: "filho, guardei para te trazer porque lembrei de você".

Mais que depressa ele põe a folha no chão e pisa forte, fazendo três pedaços. Feliz, volta a caminhar do meu lado. Até que me pergunta, sério: "mãe, você tinha me esquecido?".

Demoro um pouco a entender de onde vem essa ideia, até que me dou conta e tento explicar que, no amor, a gente lembra sem ter se esquecido: que a lembrança num sentimento-fluxo é feito pisar distraído numa folha seca e acordar com o estalido.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

mel

Rodrigo perguntando às irmãs: "Mas como é que o açúcar faz doçura?".

O açúcar eu não sei não. Mas o Rodrigo faz doçura com o corpo perguntadeiro, de voz e mão de companhia...

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Lição de Lógica



Rodrigo está estudando símbolos na escola. E o tema predileto das nossas conversas passou a ser "o infinito", que é claramente "um oito deitado".

Hoje, na hora do almoço, Rodrigo fazendo contas - nos dedos e na cabecinha, que não pára de funcionar: tão intensas essas aprendizagens que, garanto, os pensamentos dele não têm diferença de uma sopa de letrinhas em ebulição...

Dali a pouco, me mostra: três dedos em uma mão, e na outra cinco. "É oito, não é mamãe?", ele pergunta, apenas para ter confirmação. Confirmo. E ele então deita as mãos e me diz, sorrindo da própria esperteza: "agora é infinito". 

Infinito, meu filho, é nosso espanto diante de tanta imaginação e inteligência :-)

Imagem: Fita de Moebius II (Formigas), M. C. Escher

quarta-feira, 6 de abril de 2011

das surpresas

Na hora do jantar, você comendo pela segunda vez e tagarelando sem parar. Entre uma bocada de cuzcuz e um gole de suco de laranja, confidencia a mim e ao seu pai:
- sabe, tem umas palavras dentro da minha cabeça que ficam falando sem parar.
Seu pai, encantado com a beleza do dito, explica:
- são pensamentos, Rodrigo.
Eu, mais curiosa, não me aguento:
- e o que as palavras dizem, filho?
- blábláblábláblá... Você desvia, espertamente me colocando no meu lugar.
Você nos conta que os pensamentos são muitos, como formigas em formigueiro, zunindo como mosquitos. E depois ainda pergunta:
- e o que são memórias?
- são palavras na cabeça que vêm de longe, do que já aconteceu, Rodrigo. mas nem sempre só palavras - às vezes são cheiros ou sentires.
O prato quase vazio, a mesa cheia de pedacinhos de cuzcuz e finalmente nos abandonamos ao silêncio. Dentro das nossas cabeças, porém, um zunido de pensamentos e (novas) memórias. À hora cotidiana do jantar, a imensa surpresa de reconhecer você, tão crescido e inteiro.

quinta-feira, 3 de março de 2011

notinha

sua mãozinha quentinha dada à minha, enquanto a outra segura o guarda-chuva; seus resmungos para atravessar a rua; sua sem-vergonhice de pegar duas balas todas as vezes que alguém te oferece uma; a doçura do seu abraço apertado quando eu chego; seus olhões de cílios compridos aumentados pela touca de piscina. é tanto amor, tanto-tanto que chega a me faltar um tiquinho de ar. faz vontade de ser pra-sempre. em especial em dias cinzas e úmidos como hoje, em que estar com você é o milagre de uma festa bem colorida e tão ampla como se as janelas estivessem escancaradas.