sábado, 17 de janeiro de 2009

São Paulo, 20 de abril de 2006


Querido filho Rodrigo,

esta carta não tem nada a ver com aquelas poucas que te escrevi no início da gravidez, enquanto ainda não sabia que você era Rodrigo e por isso te chamava de Gohan. Esta carta que estou te escrevendo é para te contar do seu parto, que foi há 6 meses e 1 semana.

Embora tenha começado a te contar esta história em anotações no caderno que estou escrevendo para você, a correria e as adaptações à sua chegada não me deram tempo de concluir o relato como eu gostaria. Por isso essa nova tentativa de te contar como foi que você chegou a este mundo.

A primeira coisa a dizer é que você foi muito-muito querido. O seu pai costuma brincar que, de tanto que eu te quis, você aproveitou a primeira brecha que conseguiu achar para vir morar na minha barriga...E é verdade: tanto que eu descobri que estava grávida antes mesmo da minha menstruação atrasar. Me lembro com nitidez, depois de uma aula de natação, tomando banho, notei pequenas mudanças no meu corpo e me senti tão, mas tão grata pela possibilidade de estar abrigando uma vida dentro de mim. Para mim, foi naquele momento, debaixo d'água, sem nenhuma certeza mas com muitas esperanças, que a nossa relação começou.

E depois de confirmada a gravidez, essa sensação de gratidão pela vida só aumentou. Apesar dos enjôos - o momento mais Titanic da minha vida -, apesar dos estresses com os médico de convênio, apesar do sono freqüentemente interrompido para fazer xixi... E depois que você começou a se mexer, então, que gostosura! Foi numa noite de jogo de futebol, você se mexeu depois deuns fogos de artifício estourarem...Não sei se teve alguma coisa a ver, mas achei engraçado.

Depois de ser Gohan, você virou ou Rodrigo (essa escolha era certa) ou Laura (embora a mamãe também gostasse de Lia, Lílian, Laís; sei lá porque tanto L, mas eram os nomes que me encantavam). O ultra-som confirmou que você era o Rodrigo: menino Rodrigo, como o médico bacana que fez vários dos seus ultra-sons escreveu ao lado dos seus "documentos masculinos". E eu, que queria mesmo tanto um menino, juro que fiquei passada, meio sem acreditar que era de verdade, que você era um menino, meu filho. Meu filho - acho que esse foi o susto, finalmente poder dizer assim, sem dúvida...

E sendo Rodrigo Akira você ficou sendo mais você e também um pouco mais nosso.

Eu falava tanto com você. Coitadinho! Te falava sobre tudo, te contava coisas, planejava brincadeiras para fazermos juntos, cantava todo dia a mesma música na hora de dormir...E você crescendo e sapecando e soluçando - como você soluçava! Umas duas vezes por dia. A barriga ficava dando pulinhos e eu ficava morrendo de pena. Você se virou bem antes de chegar a hora de nascer e então eu sentia a sua cabeça se mexendo, espreguiçando. Era uma delícia.

Algumas semanas antes da data prevista para você nascer, um exame errado nos deu um susto e aí a médica que me acompanhava me mandou ficar de repouso. Absoluto. Confesso que fiquei meio agoniada de parar tudo e ficar em casa, mas obedeci. Os exames seguintes mostraram que tinha sido um erro do laboratório, mas até aí eu já tinha ficado quase duas semanas deitada com as pernas para cima...Por um lado, acho que foi ótimo. Sozinha em casa, conversamos muuuito. E você conseguiu ganhar um bom peso para nascer adiantado.

Apesar de estar tudo bem com você, continuei em câmera lenta (desconfio que a médica ou estava desconfiada que você ia adiantar ou estava a fim de me deixar sobressaltada para "tirar" você antes do tempo). Assim, naquele dia 13 de outubro de 2005, às quatro horas da tarde, eu estava deitada no sofá, assistindo Gilmore Girls, quando senti algo mudar. Não foi nada físico, mas logo percebi que a bolsa das águas rompera. Fui ao banheiro e, de fato, havia um pouco de água. Sem querer sobressaltar seu pai à toa, esperei um tempo para ver se a água continuava a escorrer. Coração aos pulos, brincando com você: "É, Rodrigo, você é apressadinho para tudo...". Andava igual barata tonta, de um lado para o outro. Quando vi que era a bolsa das águas que tinha rompido mesmo, liguei pro seu pai, que estava no meio de uma reunião. E ele se pôs à caminho.

A médica que nos acompanhava estava fora da cidade, então liguei pro médico substituto que estava...fora da cidade! Ele me disse para ir pra maternidade, que de lá ligariam para ele de novo. E eu em casa, esperando seu pai, numa correria para fazer as nossas malas (a sua já estava pronta há algum tempo). Ele chegou e fomos pro hospital, sem pressa já que não havia muito sinal de trabalho de parto. Chegamos lá por volta das cinco e meia da tarde. A obstetriz que me examinou confirmou que era rotura franca mas já veio me dizendo "olha, primigesta, com rotura franca; é provável que seja cesárea, porque o Dr. não vai querer esperar". Eu não sei de onde me veio a calma de não dar bola para ela nessa hora...A idéia de uma cesárea me apavorou durante toda a gravidez. Cansei de repetir que nosso corpo foi feito para isso, e que queria um parto normal. Também cansei de assistir Discovery Home and Health, e seus vários programas sobre partos e nascimentos ("História de um bebê" foi o que mais assisti; era tão legal ver aqueles bebezinhos nascendo...), e acho que estava disposta a bater o pé que você não estaria em perigo se esperássemos a evolução natural do trabalho de parto...

Mas nada disso foi preciso. Porque, como os "meus" médicos estavam fora da cidade, ficou decidido que você nasceria com o plantonista. E nós havíamos chegado justamente na hora da troca de plantão! Eles me levaram lá para cima - numa cadeira de rodas sem a menor razão de ser - enquanto seu pai preenchia os papéis da internação. Lá, me colocaram numa maca, junto com outra mulher que iria fazer cesárea. Aliás, só encontrei mulheres que iriam fazer cesáreas - ou porque a pressão estava alta, ou porque o bebê era muito grande, ou porque ele estava sentado, ou porque...Na noite em que você nasceu, só mais um bebê nasceu de parto normal. Bom, eu estava lá na maca; as enfermeiras dizendo que deveríamos ficar deitadas do lado esquerdo, para ajudar a oxigenação do bebê. Era por volta das sete horas e as contrações, que antes estava indolores, começaram a ficar mais doloridas e regulares. Enquanto isso, eu conversava com a mulher do lado sobre nossos filhos, nossos maridos, nossas gravidezes... E ela estava ficando assustada com as minhas contrações. E eu dizendo que não era nada demais, que era normal, que durava um minuto no máximo e passava e que era plenamente suportável. Mas acho que ela não se convenceu, pois ao ser levada para o Centro Cirúrgico, mandou uma enfermeira vir me ver porque eu "estava passando muito mal". E lá veio a enfermeira me ver. Eu estava sentada, de um jeito que deixava mais confortável, e eu disse para ela que não estava passando mal. Aí ela me saiu com a seguinte frase: "então acho que vou te levar para a sala de cesárea". E eu: "mas eu quero parto normal, estou esperando o plantonista chegar, porque eu tinha 1cm de dilatação às 5h30 e agora já são quase 8h". Aí a enfermeira ficou muito brava porque ninguém tinha feito toque para ver se tinha dilatado mais. Quando ela me examinou, graças a Deus tinha 3cm de dilatação. O plantonista chegou logo em seguida e a partir daí tudo aconteceu muito rápido. Ele me examinou, 4cm de dilatação, e pediu para me levarem para a Sala de Parto.

Tenho que te dizer que uma das razões que me levaram a escolher aquela maternidade foram, além da indicação da médica, essas Salas de Parto muito simpáticas. Confesso que me deixei enganar que a estrutura bacana de um quarto sem cara de centro cirúrgico, sem cara de hospital, significasse um atendimento que também fosse simpático. Afinal, parto é uma coisa natural, não é "caso médico"...Eles me levaram para o quarto, me puseram na cama, deitada de novo, com soro na veia (e ocitocina, para regularizar as contrações e acelerar o trabalho de parto), instrumento de medir pressão, um cardiotacográfo (sei lá se chama isso...) na barriga...Toda uma parafernália que Deus me livre. Aí pedir para ir ao banheiro (era mentira que eu queria ir, eu queria era levantar, andar porque as contrações estavam ficando mais fortes). E é claro que não me deixaram.

Mais ou menos nessa hora o seu pai chegou, todo perdido porque achava que iria entrar no Centro Cirúrgico para assistir você nascer de cesárea. Fiquei tão feliz de vê-lo, mas ao mesmo tempo acho que ter finalmente alguém querido e próximo depois de ficar tantas horas naquela maca me fez querer dividir o medo e a dor e aí comecei a sentir as dores mais intensamente. Dali a pouco chegou o anestesista. Aliás, a anestesia é outra coisa que hoje penso seriamente se teria pedido se soubesse que isso implicaria em uma episiotomia sem o menor aviso e, muito mais importante e dolorido, que isso significaria não sentir a sua chegada ao mundo aqui fora. É doído isso: eu te carreguei no meu corpo, eu te alimentei durante oito meses e meio, te embalei, te senti chutando e soluçando, e quando chegou a hora de te ajudar a nascer, eu não pude te sentir nascendo. Se fosse hoje, não abriria mão disso.

Eu fiz força duas ou três vezes e ouvi seu choro. Eram dez horas da noite. É claro que vendo você, essas coisas ficaram bem menos importantes. Poder te ver finalmente, te pegar no colo, perceber que você reconheceu minha voz e ficou me olhando com curiosidade foi muito gostoso...Era como se já nos conhecêssemos, mas naquele instante estávamos sendo oficialmente apresentados: a minha voz ganhou corpo para você e o seu corpo ganhou rosto e voz para mim e para o seu pai. E você era tão mais bonito do que eu jamais teria sido capaz de imaginar (vendo as fotos do seu nascimento e tendo o você atual como referência é pouco provável que você concorde, mas você era lindo. E tão curioso e esperto, com seus grandes olhos puxados abertos...).

Depois, o papai te deu banho e você veio de novo pro meu colo, mamar um pouquinho.

É difícil pôr em palavras esses momentos tão intensos de vida. Eu realmente não posso te dizer com certeza tudo o que senti naqueles momentos - eram tantas coisas, tão diferentes e tão imensas. Ter seu pai ao meu lado, poder receber você junto com ele, estarmos todos os três ali, pela primeira vez reunidos em "pé de igualdade" (já que quando você estava na minha barriga eu podia te curtir bem mais que o seu pai, né?), tudo isso foi uma das coisas mais importantes e lindas da minha vida. Talvez por isso mesmo eu, que tenho mania de pôr tudo em palavras, rejeite um pouco a idéia de tentar nomear tudo aquilo. Acho que o que está aqui é o suficiente - suficiente para você saber um pouco da sua história, suficiente para você saber que foi querido e acolhido, suficiente para você saber um pouco o que vive uma mulher durante o parto e suficiente para você reconhecer que uma vida chegante é um poderoso instrumento de transformação e renovação. Eu posso te dizer com toda certeza que o seu parto, ainda que não exatamente como eu tinha imaginado, é o momento-quando a minha própria vida ficou bem, bem mais larga para abrigar a sua.

Te amo muito.

Com todo carinho,

Sua mãe.


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