domingo, 30 de agosto de 2009

Genealogia


Filho querido,

você anda com mania de fotografar: pede a máquina e sai tirando fotos do que acha interessante - seus brinquedos, o chão da sala, sacolas espalhadas, minhas mãos, as canelas do seu pai... De vez em quando ainda corta a cabeça das pessoas, por pura farra, rindo a valer do resultado.

Ontem, no casamento da amiga da mamãe, você decidiu que iria tirar foto dos noivos. E foi inevitável lembrar do seu avô, de quem você carrega o nome, que por tanto tempo viveu de fotografias. Quando você crescer mais um pouco, provavelmente sua avó vai te contar dos tempos em que seu avô tinha "o foto" - uma loja de revelações, onde também se tiravam fotografias. Primeiro, em Marília; depois em São Bernardo, para onde seu avô trouxe os parentes um por um, até que o negócio ficou pequeno pra tanta gente.

Quando conheci seu pai e ele me explicou o significado do seu sobrenome - "uma fonte no meio da mata" - em seguida ele relativizou ao dizer que isso era o que contava seu avô, e que vindo do seu avô, tudo era possível.

Convivi pouco com seu avô, porque pouco depois que eu e seu pai começamos a namorar, ele adoeceu; no nosso casamento, não há fotos dele ou da sua avó, porque ele já não se sentia bem. E ele não viveu para saber que você viria, embora eu goste de achar que ele deu um jeito de saber e, de onde está, ri com a sua chegada e com as suas bagunças.

Deve rir sobretudo de ver como vocês se parecem: foi a primeira coisa que seu pai reparou, você mal tinha saído da barriga... Você tem o mesmo bico do seu avô Hakira; aliás, o mesmo bico do seu pai. Eu me divertia muito quando estávamos na sua avó, me distraía e, de repente, olhava e lá estavam, seu pai e seu avô assistindo TV, ambos fazendo bicos iguaizinhos...

Acho que porque eu era nova na família, seu avô adorava me contar histórias. Ele me contava histórias de carros, aventuras, "causos"... Era bom de papo, o seu avô. Fora da família, ele era conhecido como Joaquim (assim como a sua avó Lúcia, na verdade se chama Kiaka. Era pra ser Kioko, mas o moço do cartório não quis registrar uma menina com um nome terminado em O...), e todos os que conheci no velório pareciam se lembrar dele com muito carinho e respeito. Do Joaquim - esse homem que seu avô era fora de casa, junto a amigos, parceiros e clientes, - não posso te falar, Rô, pois não o conheci.

Posso te contar um pouco do Seu Hakira, de seu gosto por comidas fortes e apimentadas; de seu jeito de rir cúmplice das artes que o seu primo fazia; dos cabelos branquinhos, branquinhos; que ele gostava, como você, de iriko; que eu admirava muito o jeito com que sua avó o chamava de "meu marido", mistura de respeito, amor e solidez; que ele gostava de pescar e, talvez por isso, seu pai desconfiasse tanto que as histórias que ele contava fossem somente "conversa de pescador"...

É pouco o que posso te contar, Rô. Ainda assim, me espanta perceber como você carrega pedaços dele e é como se, então, eu ganhasse mais tempo para conhecê-lo.

E me encanta perceber que você é o entrelaçamento de tantas histórias e memórias: uma nova vida, mas que já carrega consigo tantas outras. É bonito, filho, que do seu avô, seja mais do que o nome aquilo que você continua.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Mais matutinas

6h20 da manhã: escuto Rodrigo dar seus passinhos pela casa para vir se enfiar na nossa cama. Ele vem, deita do meu lado e começa a tagarelar:

- Mãe: sabe o que eu fiz ontem com o papai? Eu apaguei todas as luzes da casa e aí ficou tudo escuro...

Mesmo incapaz de abrir os olhos, não resisto à doçura do pequeno narrador.

- É filho? E vocês ficaram assustados?

Ele continua falando, se esquenta e resolve ir brincar de quebra-cabeças (nova paixão por aqui). Levanto, tomamos café, nos arrumamos para sair. E eu tinha compromisso cedo, então estava de olho no relógio. Como hoje é dia do rodízio e eu estava apressada, resolvemos chamar um táxi ao invés de irmos andando. Liguei num ponto: nada. Liguei em outro: nada. Tornei a ligar no primeiro: nada.

Rodrigo já se animando: - Mamãe, nós vamos ter que ir a pé!

Eu comentei então que estávamos atrasados, e que não daria tempo de andarmos. Ele então, super-macho, encostou a cadeira próximo à janela (tem rede de proteção, gente, calma...) e anunciou:

- Mãe: eu vou olhar daqui de cima, e quando aparecer um táxi a gente vai [mensagem traduzida: fica tranquila, que o homem da casa está aqui para nos proteger] :-)

Por fim, resolvemos caminhar para ver se aparecia algum táxi no caminho. Se não aparecesse.. pra que estressar, né? Iríamos andando mesmo, uai.

Finalmente, depois de três quarteirões encontramos um táxi. Ufa! Aí entramos no táxi e Rodrigo continuou suas observações no trânsito:

- Mãe, eu já sei porque tinha tanta fumaça de manhã [ele estava falando da neblina]: foram esses carros que soltaram.

Quase chegando na escola, ele comenta o brasão de uma associação, que tem uma espada, dizendo que é coisa de cavaleiro. Na mesma frase, comenta a "pesta" que está "naquela placa". Não entendo. Ele repete, falando mais alto. Continuo sem entender. Aí ele reclama:

- Ô mãe. A "pesta" da placa. Você não entende nada!

- Ah! (finalmente compreendo) A seta! Ô filho. Como assim eu não entendo nada? Poxa, eu bem que me esforço...

Vejam que, antes das 8h da manhã, a gente já tinha uma porção de causos pra contar :-)

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Hoje de manhã

Filho querido,

é até difícil te explicar o quanto é gostoso acordar com os seus passinhos rápidos e empijamados pela casa, com seu cabelo despentado à beirada da nossa cama, com você se aconchegando para esquentar as mãozinhas geladas e, em seguida, começando a fazer palhaçadas pra ver se eu finalmente acordo.

E depois tomar café, trocar de roupa, ouvindo suas histórias e seus planos para o dia. É gostoso quando você vibra o sábado; é gostoso quando você sorri na hora de ir à escola...

Hoje, o tempo foi nosso amigo e o sol apareceu, então pudemos ir à escola caminhando. Pelo relógio, (muito) atrasados; pelo tempo marcado pelo carinho e pelo encontro, na horinha certa. Bem a tempo de de vermos as flores do canteiro desabrochando (- "Mãe, eu acho que ela abriu porque estava escuro, e ela abriu o olho para esperar amanhecer..."); as joaninhas que, plantadas, viram árvores; as formigas; o cachorro fazendo cocô no saquinho plástico - improviso de banheiro...; as pedras brancas e marrons pelas quais você inventa um caminho; a rua e seus barulhos e até o cachorro brabo que me lembra o Cachorrinho Samba...

Sua mãozinha quentinha dada à minha; você pesado e comprido no meu colo, na hora de atravessar a rua: meu filhote pequeno-grande.

E tão gostosa quanto essa proximidade mansa é chegar à escola, te ver pegar a bolsa, colocá-la decidido no ombro, e caminhar em direção à sala sem nem olhar pra trás: tanto orgulho, filho, que você saiba ficar e também saiba ir.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Pequeno Chef


Cheguei em casa, e o Edu tinha deixado o jantar quase pronto.

Aí, Rodrigo me relatou o processo culinário do pai:

- Mamãe, sabe o que o papai fez? Ele pegou o pão e fez farinha, aí ele misturou com a carne roída, e aí pôs cebola, alho e um ovo, aí misturou, misturou e fez um hamburgão pra gente!

Imagem: www.gettyimages.com.br

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Novo sistema de medição de calor

Rodrigo entrando (finalmente!) no banho:
- Veja se está quente, filho.
- Ai, tá muito quente. Parece um hambúrguer!
- Quê?! Bom, veja se melhorou.
- Agora sim: parece um cuscuz (marroquinho, por suposto, que é o que ele devorou na volta da escola)!

Que graus o quê! O melhor sistema de mensuração de calor é o do Rodrigo: coool (parece picolé) ;-)

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Rodrigo, por ele mesmo


Reparem no tamanho do sorriso e no detalhe das perninhas cruzadas ;-)

associação livre


Rodrigo e eu vendo as fotos da visita que ele fez ao zoológico, nas férias. Quando chega nesta foto, eu exclamo:
- Olha, Rô, a tartaruga!

- É, mãe. Uma tartarugona. Ela chama "boticaba"!

Quase o lado certo da palavra ;-)

sábado, 8 de agosto de 2009

Fordismo


Rodrigo, Júlia e eu enrolando brigadeiros. O menino super entusiasmado de ajudar, passando as bolinhas no granulado. Mas em algum momento ele deve ter se enchido de pôr a mão no chocolate sem poder comer e resolveu mudar a estratégia. Ou, então, foi mesmo observação de que duas mãos enrolando não estava muito produtivo. Fato foi que ele começou a coordenar a brincadeira:
- Júlia! Você passa no chocolate e eu coloco na forminha!
Enquanto ele estava definindo as funções, tudo bem. Mas dali a pouco, baixou o gerente no menino:
- Júlia! Passa esses aqui! Mamãe! dá logo o brigadeiro pra Júlia passar no chocolate e eu colocar na forminha!
Meu pequenino Henry Ford ;-)

Imagem: www.gettyimages.com.br

segunda-feira, 3 de agosto de 2009


Querido filho Rodrigo,

suas férias já acabaram e o mês, que era extenso e pleno de dias “vazios”, foi sendo preenchido rapidamente por momentos de descanso, visitas às avós, passeios, farras com as irmãs e também com uma porção de cheiros, beijos e abraços. Você cresceu, faz algum tempo que se sabe separado de mim, mas se aconchega, me dá beijinhos, pára tudo o que está fazendo para gritar “abraçôôô!”, abrindo amplamente os braços para me acolher. Vejá só: você cresceu tanto que agora podemos nos alternar na acolhida.

Uma delícia acordar com sua vozinha sorridente. Com a desculpa do frio que anda fazendo, cedo você vem para o nosso quarto, mostrando as mãozinhas –"olha, mamãe, tá gelado...” - pulando na cama para dividirmos um pouquinho de calor. Tanta doçura nessa proximidade; tanta leveza em despertar com suas curiosidades, descobertas e segredos. Você realmente tem a chave que dilata o tempo, filho.

(E estar perto com a desculpa de esquentar as mãos deve ser a estratégia charmosa que você herdou do seu pai: na primeira vez que ele e eu saímos, a uma certa altura, seu pai notou que minhas mãos estavam muito geladas e se ofereceu para esquentá-las. Quando você inventa esse jeito de estar perto, está rememorando essa história de amor feita de um dar as mãos que se repete desde aquele dia).

Você já voltou às aulas; seu pai já-já volta ao trabalho; suas irmãs voltam para a outra casa delas; eu já volto a procurar uma nova rotina. A vida segue seu fluxo e a gente volta a mergulhar nos ritmos cotidianos.

Mas me sinto grata por este mês em que, ao invés de seguir, pudemos parar para te olhar: tão lindo, tão grande, tão parecido com você mesmo.

Te amo muito, filho, todo dia mais um pouquinho. E depois dessa convivência tão intensa, te amo de um amor multiplicado por mil: transbordamento de calda quente no meu coração.

Beijoca na ponta do seu nariz-meleca.